Você ja sentiu a verdadeira felicidade?

A melhor visão da minha vida! 

Tive diversos privilégios que me trouxeram momentos inesquecíveis, entre os quais um prêmio como um dos melhores funcionários da empresa onde trabalho, que me permitiu viajar com minha esposa em um maravilhoso cruzeiro.

Fomos jantar na popa do navio - era uma noite linda, com uma lua fantástica. O navio formava no mar uma enorme cauda de espuma que o reflexo da lua prateava. Minha esposa estava linda naquela noite, compondo uma visão magnífica...mas não foi essa minha melhor visão de minha vida.

Assisti aos partos dos meus 3 filhos. Minha primeira filha, já antes do nascimento, sempre ouvia este pai coruja cantando na barriga da mamãe, todas as noites antes de dormir. No dia do nascimento ela chorou e eu cantei - e ela parou de chorar no meu colo. Lembro-me daquele rostinho singelo... Foi uma experiência incrivelmente emocionante.

Minha filha do meio nasceu em um dia muito alegre. Antes, fiquei triste quando me disseram que não poderia assistir ao parto, mas depois de muita luta me deixaram entrar, e toda a minha aflição se transformou em alegria. Minha esposa não tinha sido informada de que eu iria assistir ao parto, então entrei na sala de parto vestido como os médicos que ali estavam, e por trás da máscara dizendo “Chamando doutor Ranchucrutes”. É fácil adivinhar que todos caíram na gargalhada! Minha pequena veio ao mundo debaixo dos meus olhos - outra grande cena a que tive o privilégio de assistir.

Meu caçula levaria meu nome, Daniel - depois de duas linda princesas, um verdadeiro príncipe. Para mostrar o quanto sou abençoado, meu filho nasceu no dia do meu aniversário, um bebê tão lindo quanto as irmãs. Outro dia especial.

Mas acreditem, apesar desses dias importantes e fantásticos, nenhum deles me trouxe a Melhor Visão da Minha Vida.

Nasci em uma família muito pobre; morávamos em um barraco simples no fundo do quintal da minha avó por consideração; minha mãe, diarista, trabalhava para sustentar a mim e meus 4 irmãos (duas já estavam casadas).

Meu irmão não aceitava aquela situação e, logo que entrou no exército, alugou uma bela casa para minha mãe. A alegria reinou: afinal, era a primeira casa de concreto em que iríamos morar.

Mas a felicidade durou pouco: depois de 4 meses morando na casa, meu irmão só conseguira pagar o primeiro mês de aluguel, e fomos despejados.
Sem ter onde morar, minha mãe recorreu a minha tia, que provou ser muito caridosa: morando com seus 5 filhos em um simples barraco de 1 quarto e cozinha, ela aceitou que nós 6 fôssemos morar com ela.

Acha que já dá pra ter uma idéia? Não, não dá.

À noite tudo virava cama: empilhávamos coisas para ter como dormir e, quando chovia, os adultos ficavam em pé, fumavam bitucas de cigarro que pegavam na rua durante o dia, e as crianças iam para o lugar onde não pingavam goteiras; pra completar havia ratos.

Somente minha mãe e minha tia trabalhavam como diaristas, mas ganhavam pouco, pois não era sempre que tinham trabalho. Por isso, tudo era muito escasso. Lembro-me da técnica de reaproveitamento do chá-mate: depois de usado, o saquinho, era pendurado no varal para secar; depois de seco, abria-se para ferver o pó na água, e desta forma conseguia-se uma nova tiragem da bebida.

Os pratos de “angu de fubá”que sempre estavam na mesa, salada de chuchu vinda da horta do vizinho quando ele estava de bom humor, e o delicioso bolinho de chuva quando minha mãe ou minha tia conseguiam uma graninha, e cujo sabor era bem melhor que hoje em dia.

Se um dia você quiser saber se uma pessoa realmente já passou fome, pergunte a ela qual a ultima coisa que acaba entre os mantimentos... se responder “o sal” ou eventualmente “o vinagre”, essa realmente já passou fome - eu sei porque já procurei nos armários por qualquer coisa.

Um belo dia, meu irmão estava em casa com folga no exercito e acabou o gás; como de costume, não havia dinheiro para comprar, então minha mãe disse ao meu irmão – “Luís, vai buscar lenha; pega o facão e leva seu irmão para aprender.”

Ela deu a meu irmão um facão enorme e a mim, que tinha apenas 8 anos, uma faca de serra que imaginei instantaneamente como minha espada de guerra...
Meu irmão saiu muito bravo, ele sabia que os vizinhos iam falar, apesar de todos ao redor estarem mais ou menos na mesma situação, sempre havia os que faziam piadas com a desgraça alheia.

Quando chegamos nos calipau (mata com eucalipto) meu irmão cortava o que via pela frente com muita força, eu o via como um super-herói, e tentava imitá-lo, cortando os galhos finos com minha faquinha de serra; ele recolheu um grande punhado de madeira após cortar os arvores secas, levantou e saiu na frente; eu peguei o que pude e saí correndo logo atrás, quase que morrendo com tanto peso.

Meu irmão jogava a madeira que trouxera no quintal, estufava o peito, limpava as mãos umas nas outras e voltava; eu o imitava, jogava minha insignificante parcela, estufava meu peito de pura pele e osso, limpando as mão e correndo seguia meu irmão.

Com as últimas cargas a fogueira já estava acessa, minha mãe deixou as panelas pretas fazendo a janta, e naquele dia não tivemos mistura, mas arroz e feijão.

Minha tia chegou do trabalho quando a comida já estava quase pronta, ela tinha ganhado batatas doces e as jogou na brasa da fogueira; eu e meus primos dissemos “não, não”, até que ele explicou que as batatas não queimariam e poderíamos comê-las depois de assadas na brasa.

Eu adorava dormir tarde, mas nunca podia devido ao horário da escola, que era muito cedo, mas nesse dia minha mãe sugeriu que jantássemos lá fora, pegamos pedras, papelões e o que achamos para sentar em volta da fogueira.

Minha mãe serviu a todos e achamos a comida simplesmente maravilhosa. Lembro-me do sabor, do cheiro, da cor do feijão... Logo em seguida foram divididas as batatas doces – bastava tirar o queimado que seu interior estava no ponto. Enquanto a gente jantava minhas irmãs chegaram com meu cunhado e sentaram-se junto a nós em torno da fogueira.

Os adultos começaram a contar suas histórias que eu tanto amava: poderia escutá-las 500 vezes que nunca enjoava, atento aos detalhes. E o tempo foi passando.

Foi nesse dia que, em um determinado momento, pude sentir aquela cena como uma visão totalmente verdadeira, olhei à minha volta e lá estava quase toda minha família reunida, minha mãe, minha tia, meus irmãos, meus cunhados e meus primos, alguns até dormindo um no ombro do outro; só meu irmão foi jantar dentro de casa, sozinho.

Sentiamo-nos todos satisfeitos, a fogueira já estava branda e no céu, muito estrelado, uma lua enorme completava um cenário que nunca sairá da minha cabeça. Enquanto olhava aquela cena não ouvi mais nada, só senti meu coração inchado, prestes a explodir; tentei segurar o nó que se formava em minha garganta mas, à medida que meu coração inchava, esse nó aumentava, aumentava até que não suportei mais e tive que chorar. Chorar como nunca chorei, chorar só pelo privilégio de estar ali, e a única coisa que pude responder quando minha mãe perguntou por que estava chorando, foi dizer que estava feliz, muito feliz, e que era o menino mais feliz do mundo.

Algumas pessoas vão em busca da felicidade, outras dizem que vão conquistá-la, outras esperam pacientemente o momento de serem felizes.

Eu acho que a felicidade é um estado de espírito, não se busca, conquista ou aguarda acontecer, se vive em qualquer lugar e a qualquer hora, em qualquer que seja a situação é possível ser feliz, pra mim a felicidade é questão de escolha, de procurar com cautela e de coração aberto até enxergar uma pequena pepita de ouro em um arranha-céu de pedras sem valor.

Esse mesmo dia pode ter sido o pior na vida para meu irmão, embora estivéssemos no mesmo lugar, na mesma situação.

Você faz seu mundo.
Daniel F. Alves